quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A Flor de Lótus



Gabrielle estava preparada para a maratona olímpica que se iniciaria dentro de instantes, acreditava que poderia conseguir uma boa classificação, porém não chegava ao ponto de sonhar com uma medalha. Toda a sua preparação ao longo de uma vida culminava naquele momento antes de ser dada a largada.
O sol de Los Angeles era implacável, a prova se iniciava com Gabrielle se esforçando para se adaptar àquele calor insuportável que minava a sua resistência.
À medida que a maratona se desenrolava, Gabrielle sentia que se deflagrava dentro dela uma batalha entre a sua mente e o seu corpo. O seu espírito competitivo lhe dizia que ela tinha todas as condições de terminar aquela prova e realizar o sonho de cruzar a linha de chegada no estadio olímpico lotado, uma imagem que a fazia seguir mesmo com escassas energias, o corpo por sua vez lhe dava sinais de cansaço evidentes, começava a lhe faltar suor para manter a temperatura de seu corpo em um nível aceitável. Mas ela continuava, com cada passada que dava se aproximava do seu sonho, a mente tentava dominar o corpo pelo menos por mais alguns minutos, o estádio olímpico não estava distante...
Gabrielle dobrou a próxima curva e se deparou com o imponente Coliseu de Los Angeles, porém no estado físico que ela se encontrava, a visão parecia ser insuficiente para manter o seu corpo ereto, a sua postura já não era de uma atleta, mas sim de uma velha cansada. Só mais alguns metros - pensou Gabrielle. Nessa altura da prova cada metro era como uma maratona em si, cada passada era um suplício, cada ato de respirar era como se a atleta inspirasse Gás Carbônico e expirasse Oxigênio, tamanha era a sua estafa, mas de alguma forma a sua mente segurou as pontas e ordenou que as pernas continuassem. Mesmo tentando manter uma passada digna, esta era, nesse ponto, uma caminhada sofrida.
À duríssimas penas, a combalida Gabrielle entrou no estadio olímpico lotado. A força de vontade demonstrada pela atleta contagiou todo o estádio que aplaudiu em uníssono. Sendo aplaudida ou não, Gabrielle não desistiria àquela altura da maratona, ela atingiu uma espécie de estado alterado de sua consciênscia, conseguiu transformar as incríveis dores que sentia em mais um combustível para continuar sua árdua caminhada. A maratonista dobrou a última curva da pista, alguns médicos se colocavam perto dela, mal sabiam esses doutores que tamanha era a sua determinação que caso eles tentassem impedir-na de terminar a prova, ela seria tranquilamente capaz de lhes empurrar e simplesmente seguir, seguir e seguir em frente.
A linha de chegada agora estava muito perto e apesar do estádio tremer de emoção, Gabrielle nada ouvia, para ela naquele momento, tudo se resumia ao seu objetivo. A sua mente só permitiu ao corpo o descanso merecido, após a conquista do objetivo almejado, desabando gloriosamente nos braços dos médicos. Gabrielle concluiu a sua maratona epicamente, entrou para o seleto panteão dos heróis olímpicos, porém a sua grande conquista naquele dia foi a descoberta de uma Gabrielle que Gabrielle não conhecia, ela descobriu na adversidade o seu melhor lado, um lado forte que dali em diante dominou todos os aspectos de sua vida. Ficou provado que o ser humano é como a Flor de Lótus, nós florescemos nas situações mais complicadas com as quais nos deparamos.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O Pesadelo de Péricles?


Por feitiço de sua mente adormecida, Péricles se viu acordando na Atenas do ano de 2012 ao invés de uma manhã normal em 435 A.C., ele estava sujo e se via deitado ao lado de outras pessoas sujas, estava com fome e se sentia atordoado por um aparente abuso de bebida alcóolica, apesar de ser um sonho, parecia tão real, era como se a mente do grande governante da era dourada da cidade-estado de Atenas furasse a barreira do tempo que separava as duas Atenas.
Parecia que o grande nobre ateniense se via na posição de alguma espécie de escravo sem dono, pois mesmo os escravos na Atenas que ele conhecia não eram tão sujos. Ele começou a tentar escutar os outros "escravos" para tentar descobrir aonde estava. Ele sabia que era Atenas, pois ele via o Partenon ao fundo, a grande obra da sua vida. Ao tentar escutar os que estavam ao seu lado, não conseguiu entender muita coisa pois o grego que eles falavam tinha apenas traços da língua grega com a qual ele estava acostumado a proferir seus belos discursos. A frustração com a sua incapacidade de entender o que os outros falavam fez com que ele passasse a se concentrar nas pessoas que ali transitavam em máquinas misteriosas que expeliam uma espécie de nuvem mal-cheirosa, parecia que aquela nuvem tóxica se espalhava no ar da cidade. Os transeuntes andavam apressadamente em roupas estranhíssimas para Péricles, as construções eram de um material esquisito e chegavam a alturas inacreditáveis.
Péricles era um homem muito inteligente, educado pelos melhores filósofos de Atenas, e não demorou muito para perceber aonde estava, era a Atenas de um futuro bem distante - concluiu o embasbacado Péricles. O grande estadista agora não se via tão assustado, ele estava maravilhado pela possibilidade de poder vislumbrar o belo futuro de sua civilização e de sua cidade. Olha só que máquinas incríveis, que prédios fantásticos, com certeza minha Atenas está na vanguarda deste tempo! - pensou o animado Péricles.
Tal sentimento cresceu dentro de Péricles quando ele caminhou pela rua Ermou com suas lojas suntuosas, ele não percebeu que sua condição de pobretão enojava as pessoas que ali transitavam, não tinha como percebê-lo, estava tão maravilhado que tinha esquecido que nessa Atenas ele era um mendigo. Sua mente acelerava enquanto ele passeava nas redondezas dos palácios de consumismo da atual nobreza de Atenas.
Foi então que Péricles se deparou com uma banca de jornais, nem mesmo sentiu o desprezo com que o jornaleiro lhe olhava, uma vez que escritos em papéis afixados ali atraíram seu olhar. Apesar de não entender o grego que os Atenienses modernos falavam, Péricles conseguia entender os escritos, que pareciam não haver mudado tanto, apesar de ter algumas diferenças, parecia basicamente o mesmo alfabeto. Péricles leu os papéis, no início as informações ali contidas lhe deixaram ainda mais satisfeito com o futuro de sua Atenas, ele descobriu que Atenas era capital de toda a Grécia unida sob sua direção. Conquistamos aqueles nefastos espartanos! - pensou Péricles com ar de conquistador irresistível. Mas à medida que ele lia os papéis, se informava a respeito da pobreza da Grécia e como ela era naquele tempo uma espécie de periferia do mundo, sobrevivendo basicamente de esmolas de nações mais poderosas e sendo de fato comandada pelo que deveriam ser dois deuses desse tempo, um tal de FMI e uma tal de União Europeia.
Péricles continuou andando pelas ruas de Atenas, agora mais cabisbaixo, ainda com dificuldades para acreditar no futuro de sua querida cidade, quando de repente ouviu um estalo forte e viu pessoas correndo desesperadamente. Ele estava na Exárchia, o centro das agitações e dos protestos em Atenas, e presenciava uma espécie de batalha campal, será que a cidade está sendo invadida? - pensou o assustado Péricles. Uma lágrima se formou no olho do estadista quando ele notou que aquela era uma batalha entre atenienses, provavelmente fruto da pobreza em que a cidade se encontrava. Foi quando um indivíduo apontou um artefato desconhecido na direção de Péricles, e em tom ameaçador balbuciou palavras que ele não entendeu, ele continuou olhando para o indivíduo que agora estava ainda mais irritado. Péricles ouviu um barulho assustador...
Péricles acordou assutado em seus aposentos familiares na Atenas de sua época, sua mulher Aspasia dormia tranquilamente ao seu lado. Ele foi para a janela e começou a pensar sobre aquele pesadelo incrível que tinha passado em sua mente. O seu lado mais racional tinha certeza que aquilo não passava de um pesadelo, pois ele tinha certeza do futuro glorioso de sua Atenas, mas um outro lado de Péricles não conseguia desacreditar da realidade daquele pesadelo, para esse lado parecia que os deuses lhe tinham possibilitado um vislumbre do futuro sombrio de sua cidade. Péricles nunca mais foi o orador brilhante que havia sido, aquela dúvida eliminou a sua segurança e permaneceu até os seus últimos dias alojada em sua mente.