segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O Soluço Salvador


(Dedicado à Carolina, que, indiretamente, me deu a ideia para esse conto)

Era uma vez uma garota que vivia a soluçar para todos os lados, ela passava os seus dias soluçando sem parar. Ela dificultava a vida de seu dentista, ele não conseguia executar com precisão as suas técnicas, tendo que administrar aqueles solavancos causados pelos soluços perenes. Ela não podia dirigir, aqueles movimentos bruscos causados pelos soluços faziam-na perder o controle do carro, tinha dificuldades até mesmo para ingerir os alimentos que ficavam pulando em sua boca.
Ela já havia visitado vários especialistas, tomado remédios tradicionais, alternativos, medicina chinesa, acupuntura, pai de santo, rituais xamânicos, nada disso funcionava. Na verdade, existia uma coisa que funcionava, que realmente fazia seus soluços pararem temporariamente, era a ingestão contínua de cerveja. Alguém pode se perguntar se o método número um para cura de soluços funcionava para ela, a resposta é não, a água apenas intensificava o seu soluçar. Quase todos os dias ela tinha que ingerir pequenas doses de cerveja para conseguir levar o seu dia de uma maneira razoavelmente tranquila.
Um dia desses a garota teve que sair de casa às pressas, ela tinha que passar no banco e verificar uma questão financeira da empresa para a qual ela trabalhava. Ritualisticamente, ela tomou uma long neck para controlar seus soluços, a ingestão de apenas uma garrafa conseguia segurar seus soluços por mais ou menos uma hora, ela pensou que seria tempo suficiente para passar no banco e cuidar da questão da empresa.
Quando a garota chegou no banco, encontrou uma fila enorme, o tamanho da fila assustava, mas a garota acreditava que daria tempo de resolver tudo antes do soluço voltar. Foi nesse momento que uma das pessoas na fila sacou uma arma e gritou:
-Todo mundo no chão, isso é um assalto!
Outro assaltante tratou de render os dois seguranças do banco e todas as pessoas se deitaram no chão. A garota se revirava no chão, incendiada pelo álcool e preocupada com o provável retorno iminente de seus soluços. Quinze minutos depois, a polícia chegou e um dos assaltantes achou que seria melhor ter um refém consigo. A essa altura, o soluço retornava levemente, o que fez a garota ser notada pelo ladrão de bancos e não deu outra, o ladrão a escolheu como sua refém. Tal escolha fez com que os soluços ganhassem em intensidade, o que fez com que o ladrão ficasse ainda mais nervoso e gritasse:
-Alguém faz essa garota parar de soluçar! que porra! se você não parar de soluçar eu vou te matar!
A garota respondeu entre um soluço e outro:
-Para eu parar de soluçar eu preciso de cerveja! por favor me dê cerveja!
O ladrão ficou ainda mais nervoso:
-Você está louca, querendo cerveja numa hora dessas! Alguém traz um copo de água pra ela!
O outro assaltante trouxe rapidamente um copo de água e deu o copo para a garota, mas ela resistia à água  não queria beber de jeito nenhum, até que o ladrão disse:
-Bebe se não eu te mato agora! não aguento mais essa merda de soluço!
Relutantemente a garota bebeu a água e quase que instantaneamente ela deu um soluço tão forte que a parte de trás da sua cabeça golpeou fortemente o nariz do ladrão que a dominava e ele caiu no chão com o nariz ensanguentado, sua arma tinha ido parar longe. O outro assaltante ficou totalmente atônito, as pessoas rendidas, inspiradas pelo que elas pensavam ser um gesto de coragem da garota aproveitaram a oportunidade e nocautearam o assaltante atônito. A garota se transformou em uma heroína nacional.
Depois daquele dia, a garota, aproveitando a sua fama, resolveu criar uma arte marcial para defesa pessoal baseada nos movimentos involuntários e repentinos do soluço, o Soluço-Jitsu,  e de fato ganhou uma fortuna ministrando aulas no mundo inteiro e vendendo DVDs. Em suas aulas, ela condenava veementemente a ingestão de bebidas alcoólicas.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A Encruzilhada de Barcelos



Pablo Barcelos era um comentarista de futebol das antigas, chegou ao topo devido à sua habilidade em cultivar boas amizades no meio futebolístico e principalmente por saber comentar futebol de uma maneira bem peculiar. Os comentários que saiam da boca de Barcelos em um jogo televisionado eram conhecidos clichês futebolísticos do tipo: "esse time precisa tocar mais a bola", "o time fez um gol, agora vai ficar fechadinho no contra-ataque", além do profético e usado em quase todos os jogos por Barcelos: "Esse gol já estava amadurecendo há uns 15 minutos". Apesar de estes serem clichês utilizados pela maioria dos comentaristas de futebol, Barcelos tinha um jeito bonachão e meio malandro de comentar que dava uma leveza simplória à transmissão, o que cativava muitos telespectadores enfeitiçados pela habilidade do comentarista em esconder o seu conhecimento rasteiro e a sua falta de preparo em seu trabalho.
Era chegada a Copa do Mundo e Barcelos se preparava para mais um grande evento, para ele as Copas do Mundo e as Olimpíadas eram tudo que havia de melhor em sua profissão, poder viajar para um país estrangeiro com tudo pago para exercer aquele seu trabalho fácil com certeza era o sonho de qualquer um.   O seu último grande evento havia sido uma Olimpíada, ele comentava os outros esportes com a mesma "qualidade" que opinava sobre futebol, os telespectadores puderam acompanhar na última Olímpíada grandes comentários como "O Badmington é a peteca de raquetes", "O lance livre é o penalti do basquete" e  o fantástico "empurrou ele pra fora do tatame, não foi ippon?".
Apesar das suas aventuras olímpicas, era nas Copas do Mundo que Barcelos fazia o seu nome, conciliando os clichês com o patriotismo, um de seu clássicos bordões de copa era "Esse é o futebol brasileiro, partiu para o drible e deixou o zagueiro caído no chão", o seu desconhecimento tático não lhe permitia ver o jogo como um jogo de 11 contra 11, só conseguia enxergar o jogador que estava com a bola e aquele que o marcava, sua mediocridade era transmitida via satélite e era partilhada pela maioria dos telespectadores que idolatravam-no.
A Copa do Mundo se desenrolou da maneira habitual, com Barcelos carregando no patriotismo e nos seus bordões famosos. Para a infelicidade do velho comentarista, o Brasil dançou nas Quartas-de-Final, o que prejudicava um pouco o seu "jogo", mas nada que não pudesse ser contornado pela sua malandragem. Era chegada a véspera da Final da Copa do Mundo e Barcelos resolveu relaxar um pouco no bar do hotel, foi quando a visão de um outro jornalista chamou a sua atenção. O jornalista estava mergulhado no seu Laptop, parecia que fazia algumas contas e lia várias revistas. Barcelos com seu jeito malandrão resolveu sentar-se à mesa e conversar com o jornalista:
-Ei cara, eu te conheço você é aquele cara daquele canal a cabo que todo mundo diz que entende tudo de tática...
O jornalista percebeu o desdém na voz de Barcelos.
-Eu tento me preparar para entender o jogo e passar uma informação correta para quem está assistindo ao jogo.
-Bla Bla Bla, quem assiste ao jogo quer se divertir e nada mais.
-Você pode manter o seu estilo divertido e passar boa informação para o público, não são coisas que se excluem mutuamente.
Barcelos não tinha muito o que fazer então resolveu aprender um pouco do que o jornalista sabia de tática.
-Vamos lá então! Me explique algo mais básico.
Talvez animado por uma leve embriaguez, Barcelos se permitiu abrir para esse novo conhecimento e nas duas horas seguintes se maravilhou com a complexidade tática do futebol, todas as nuances do jogo, os estratagemas utilizados pelos técnicos eram incríveis, estava tudo ali na sua frente e ele nunca tinha percebido. Barcelos mal conseguiu dormir naquela noite, uma mistura de arrependimento e expectativa embalava os seus pensamentos.
Finalmente era chegada a Final da Copa, os colegas de Barcelos perceberam que ele estava bem calado, era a calmaria que vem antes das grandes tempestades, uma mudança de curso se aproximava para o velho comentarista, é claro que ele estava com medo, mas alguma coisa lhe dizia que ele deveria se transformar em um verdadeiro expert e utilizar aqueles conhecimentos adquiridos na noite anterior. O narrador convocou Barcelos para um comentário após o primeiro lance de perigo, o comentarista começou a desfilar seus novos conhecimentos de maneira um pouco confusa:
- Essa marcação pressionada foi o que causou a diminuição no fluxo de passes do time adversário, resultando na interceptação da bola e uma finalização bem proveitosa.
O narrador olhou assustado para Barcelos, o que era aquilo, quem era aquela pessoa estranha do seu lado que fazia comentários rebuscados, totalmente diferentes do conhecido Barcelos.
Barcelos continuava sua busca pela excelência com comentários como "O 4-4-2 é um esquema ultrapassado atualmente", "esse volante não pratica um futebol moderno, falta dinâmica ao seu jogo", lá pelas tantas quando os fãs de Barcelos já reclamavam nas redes sociais pedindo pelo velho Barcelos, o narrador lhe disse com o microfone desligado:
-Você está maluco? como você sempre disse, em time que está ganhando não se mexe, comente como você sempre comentou! Se você continuar com isso você vai perdeu seu emprego porra!
Mas naquela altura o conhecimento tático adquirido parecia ter se apoderado completamente do comentarista e ele retrucou:
-Nada disso, mesmo se o resultado é positivo, pode-se modificar taticamente a equipe para que a mesma possa elevar o nível do seu jogo!
A profecia do narrador se tornou realidade, a audiência daquele jogo foi tão ruim que Barcelos perdeu seu emprego no dia seguinte, ele acabou saindo do seu transe tático com o choque da demissão, dali para frente Barcelos nunca mais conseguiu arrumar emprego em nenhuma emissora. Os canais mais populares tinham medo do "Barcelos tático" e os outros canais não queriam o "Barcelos malandrão". Ele ficou para o resto dos seus dias vivendo nessa encruzilhada, a passar seus dias sentado em uma mesa de bar se arrependendo do dia em que se sentou em uma mesa de bar.