sexta-feira, 5 de abril de 2013

O "Xadrez" do Xadrez

(Inspirado no grande documentário "Bobby Fischer against the World", um dos melhores documentários que já vi, fantástico, eu recomendo para quem quer conhecer a história completa desse personagem incrível e verdadeiro.)





O enxadrista se prepara para a maior partida se sua vida. Derrotar o russo e se tornar o campeão mundial de xadrez era a motivação que dirigia sua vida desde a sua adolescência. Num quarto de hotel, num país distante ele visualiza todas as aberturas possíveis, as jogadas, trilhões de combinações circulam em sua mente, que é confusa e brilhante ao mesmo tempo.

Percebe-se que um enxadrista está muito acima da média quando ele consegue, em seus treinamentos, jogar contra si mesmo, interpretando todas as jogadas de seu próximo adversário. Enclausurado em um apartamento, o enxadrista ficava por horas naquele jogo individual que para ele fazia todo sentido, para um observador pareceria uma tremenda loucura. Com a mão esquerda ele movia o bispo preto e com a mão direito posicionava o cavalo branco, tudo em alta velocidade...

Em seus poucos intervalos naqueles dias de preparação para o grande jogo, ele se pegava pensando na sua infância. Conheceu o tabuleiro de xadrez aos seis anos de idade e dele nunca mais se separou, e também por causa dele nunca mais conseguiu se aproximar de outras pessoas, o xadrez era a única coisa que importava para ele. Entretanto ser um gênio do xadrez, tinha o seu preço. Sempre que ele tentava investir em algum relacionamento com outro ser humano, a sua mente de enxadrista entrava em ação, ele analisava cada comportamento da outra pessoa sob os mínimos detalhes, assim como um movimento no xadrez pode desencadear milhões de possibilidade que por sua vez podem desencadear zilhões de outras hipóteses, ele tentava atribuir a cada atitude humana, zilhões de possibilidades.

Para a frustração do enxadrista, esse procedimento não trazia bons resultados em sua vida pessoal, uma vez que o comportamento humano escapa dos ditames lógicos que orientam o jogo de xadrez. Neste é possível prever o movimento do adversário quando se tem um cérebro afiado e treinado, pois existem regras claras e lógicas, já no jogo da vida os movimentos são aleatórios e muitas vezes ilógicos, todas as peças podem se movimentar em qualquer direção. Sua mente brilhante era constantemente bombardeada por ideias aleatórias, não conseguia entender a cadeia lógica dos sentimentos, coisa que homens muito menos inteligentes do que ele pareciam dominar com maestria.

O dia do grande jogo chegou. Os campeonatos mundiais de xadrez eram decididos em 20 partidas que duravam até mais de um mês. Os jogos foram duros, ele se mostrava superior a seu adversário, porém, às vezes se perdia em pensamentos distantes e acabava perdendo alguns jogos por isso. Se sagrou campeão mundial mesmo um pouco desconcentrado. Aquele era o topo de sua carreira, tudo aquilo pelo qual trabalhou, tudo aquilo pelo qual se afastou das pessoas, tudo aquilo pelo qual tocou por tão poucas vezes uma mulher. "Será que tinha valido a pena?", pensava o enxadrista.

Qualquer vitória esportiva conquistada durante a Guerra Fria contra os soviéticos trazia uma fama sem paralelo, no xadrez esse reconhecimento era ainda maior, devido ao domínio dos russos nesse jogo. Porém aquele enxadrista não estava preparado para o sucesso, a única coisa que ele sabia fazer era jogar xadrez e com a conquista da máxima glória, o xadrez parecia não mais fazer sentido para ele. A sua vida perdeu o sentido após a sua grande conquista, o que seria de sua vida agora?

Mesmo sem jogar uma partida de xadrez durante muitos anos após aquele campeonato mundial, o jogo começou a persegui-lo na sua vida cotidiana. Todo grande enxadrista deve ser paranoico quando está jogando, é a melhor maneira de se antever jogadas e pensar em possibilidades, desde que o jogador saiba manter a paranoia restrita ao tabuleiro. Com o campeão aconteceu exatamente o contrário, a paranoia do xadrez contaminou o seu pensamento em seu cotidiano. Ele pensava em bombas atômicas, ele um judeu, advogava teorias antissemíticas absurdas, pensava em teorias da conspiração malucas. A loucura do xadrez grassava incontrolável.

Não era a primeira vez que a loucura se apoderou de um grande enxadrista. Korchnoi disse ter jogado com um morto, Rubinstein pulou de uma janela porque uma mosca o perseguia, Steinitz achava que jogava xadrez contra Deus e ainda ganhava do Todo Poderoso, Carlos Torre tirou a roupa em um ônibus, entre tantos outros exemplos de enxadristas derrotados pela loucura. É o risco que os que se entregam a esse jogo estão sujeitos. O xadrez algema seu mestre, aprisionando sua mente e seu cérebro e até a liberdade do mais forte se abala.

Bobby Fischer, o grande enxadrista, nunca mais conseguiu escapar da paranoia que lhe dominou e faleceu  já idoso em uma cama de hospital, suas últimas palavras teriam sido as seguintes: "Nada cura mais do que o contato humano". Pena que o xadrez não deixou Bobby descobrir isso antes de ser tarde demais.








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