segunda-feira, 20 de maio de 2013

Uma Semente de Humanidade

Dentro do cérebro, mais especificamente no lóbulo frontal inferior começava mais uma reunião do sindicato dos neurônios-espelho. O Neurônio-presidente tinha a palavra:

- Todos aqui sabem nossa função, nós somos os neurônios que dão a capacidade de um ser humano se colocar no lugar de seu semelhante, nossa função é criarmos empatia entre os homens e garantir a convivência entre os diferentes!

Os neurônios-espelho da plateia se olharam orgulhosamente, a atmosfera estava elétrica, o presidente continuou seu discurso:

- Nossa causa é nobre, porém nossos resultados tem sido abaixo da média. Esse ser humano do qual nós fazemos parte tem se mostrado preconceituoso e intolerante, ele se dedica a incitar atos de discriminação contra aqueles que são diferentes dele mesmo. Seja pessoas de outra cor, opção sexual, credo ou torcedores de outro time, ele prega o ódio todos os dias. Não podemos deixar isso acontecer, temos que fazer alguma coisa!

Os outros neurônios aproximaram seus axônios e começaram a fazer sinapses em sinal de aprovação à fala do presidente, que continuou:

- Eu tenho um plano, nós temos que intensificar nossas sinapses, façamos um mutirão, se nos unirmos ele não terá como nos bloquear e começará a enxergar através dos olhos das pessoas que ele tanto discrimina!

No dia seguinte, os neurônios começaram desde cedo a tentar recuperar um pouco da humanidade e da tolerância perdida por tanto ódio. As sinapses eram tão intensas que era como se a alma do preconceituoso se transferisse como que por mágica para a esfera de consciência daquelas pessoas ofendidas.

Logo de manhã bem cedo, Carlos foi assistir ao jornal como de costume, a diferença era que dessa vez algumas notícias lhe causavam grande tumulto nos sentimentos. Uma notícia sobre uma enchente que destruiu uma cidade inteira lhe fez chorar copiosamente, quando antes ele nem ligava para esse tipo de acontecimento. Quando o jornalista falou sobre uma derrota que abalou profundamente a torcida do time rival, ao invés de sorrir e comemorar como sempre fazia ao ver torcedores de outros times chorarem, Carlos se pegou pensando que aqueles torcedores "rivais" amavam o time deles da mesma forma que ele amava o seu e que não era certo sentir prazer ao ver a dor alheia.

O trabalhos dos neurônios-espelho assim prosseguiu durante todo o dia. Carlos viu um mendigo e procurou lhe dirigir algumas palavras carinhosas, no trabalho ele procurou ter paciência com seus estagiários, não usou de palavras de baixo calão quando falava sobre as mulheres de seu trabalho, enfim o projeto dos neurônios ia de vento em popa quando de repente um colega de Carlos lhe dirigiu a palavra:

- Porra Carlinhos, cê tá esquisito hoje, esse não é o Carlos que eu conheço!

Aquela frase pode ser comparada ao som da corneta de um arauto convocando um exército para a batalha, aqueles dizeres acordaram os neurônios de outras regiões do cérebro de Carlos, acordaram o bom e velho Carlinhos...

Uma batalha agora acontecia dentro de seu cérebro, sinais elétricos de ambos os lados do combate iluminavam os hemisférios, era como uma tempestade de verão. Os neurônios do antigo Carlos, com todas as suas crenças preconceituosas atacavam os neurônios-espelho que tentavam transformar Carlos em uma nova pessoa. A batalha seguiu e contando com a superioridade numérica, os neurônios antiquados venceram, esmagaram os neurônios empáticos e ao final do dia Carlos já assistia ao noticiário noturno rindo ao ver desgraças alheias e achando excelente ouvir a notícia de que um homossexual tinha sido assassinado por um grupo de extermínio. 

O general dos neurônios-espelho conseguiu reunir algumas tropas e sobreviver, ele disse aos seus comandados:

- Perdemos a batalha, mas não a guerra! No dia de hoje plantamos a semente de um novo ser, verdadeiramente humano!